O sistema é uma merda.
No sistema não existes, e mesmo quem manipula o sistema não existe.
No sistema dizem-te como se chamam mas tu não decoras porque eles não se conhecem uns aos outros e mesmo que depois queiras dizer com quem falaste ninguém sabe e ninguém quer saber quem é.
No sistema ninguém é.
No sistema vive apenas o sistema, e o que não está no sistema não é verdade, mesmo que to tenham dito e te digam que o vão gravar. Mesmo que gravem ninguém ouve.
No sistema não há problemas, apenas imprecisões. Não pode haver problemas porque ninguém sabe quem os criou, ninguém os sabe resolver, e quem os tenta resolver arranja outros.
No sistema ninguém sabe. Nada. Ninguém foi.
No sistema ninguém é ninguém.
No sistema não há pessoas. Há colegas, mas ninguém nunca os viu. Não há rostos. Nem o teu, ali ao balcão.
No sistema não há balcão. Há uma linha telefónica começada com oitos, direta para a Twilight Zone. Não há responsáveis, porque ninguém os conhece e ninguém tem o telefone deles.
Mandas um mail. Contas a história toda pela milésima vez e pode ser que alguém novo te responda. Mas ninguém lê os 700 emails anteriores.
No sistema não vale a pena exaltares-te, porque quem se enganou não está á tua frente e ninguém lhe vai dizer e não.
Quando nada funciona, é porque o sistema está em baixo. E a culpa é só do sistema. Não é de ninguém.
Reclama. Ninguém tem medo, porque ninguém é o sistema e o sistema não é ninguém.
No sistema não existe a chefe de secção D. Amélia, ou o Dr. Tavares, o diretor. Não tens onde ir.
Não há balcão. Não há repartição. No sistema tens saudades da repartição pública. De esperar na cadeira, e pelo menos fixar nos olhos quem te diz que não.
Tu sistema enlouqueces. Porque todos fazem o seu melhor. Mas o melhor de todos é uma merda. Porque todos se estão a cagar para ti. Porque nunca te ouviram e assim que desligares nunca mais te ouvirão.
Ninguém se compromete. Ninguém é responsável e ninguém quer saber.
Mas, no sistema, não enlouqueças! Mesmo que te sintas gozado, que te subam calores, que te deem tonturas e vontade de vomitar com a cólera a subir-te peito a cima… não grites, não fales alto, não insultes ninguém.
No sistema não se diz palavrões. No sistema há seguranças que zelam pela segurança e pelo sono dos que adormecem no sistema. E quem enlouquece vai preso, por desacato à ordem pública.
Quem trabalha no sistema, também sofre todos os dias. Porque quem manda lá é o sistema. E quem lá está também não existe. Ninguém lhes ensina, ninguém agradece, ninguém os conhece. Ninguém veste a camisola do sistema, porque o sistema não é, nem quer ser, um corpo. Apenas um cofre.
O sistema manda em tudo.
Podes tentar sair do sistema. Mas não vais sobreviver. A menos que fujas para longe, bem para o início do século XX, no meio do monte.
Fora do sistema não há luz, nem água, nem pão. Não há telemóveis, nem televisão. Não há internet, e sem ela, nem há profissão.
Fora do sistema também não há nada. Não há ninguém. Não és nada nem ninguém.
Mas fora do sistema ainda deve haver ar. E tempo… acho que fora do sistema ainda deve haver dias, e muitas D. Marias, das que te afagam a cabeça e te chamam menina.